terça-feira, 27 de outubro de 2009

Verão de 1977: um miracemense seminu pela praça no Rio de Janeiro

Era véspera do dia do padroeiro da cidade do Rio de janeiro, dia de São Sebastião, uma quinta-feira, inesquecível para mim aquele fatídico dia.

Eu era solteiro, recém formado, tinha emprego fixo e dividia um apartamento de quarto-e-sala na Praça São Salvador com o meu amigo Carlos Luís, que era da mesma cidade do interior do Estado do Rio que eu, Miracema.

O meu amigo, como tinha noiva que morava no Flamengo e estava fazendo economias para casar, dificilmente aproveitava os feriados prolongados para viajar, mas naquele feriado ele havia decidido visitar seus pais em Miracema, pois sua namorada iria acompanhar a mãe em visita a parentes no Maranhão.

Diante daquela oportunidade de estar só no apartamento, eu não perdi tempo, cancelei a viagem que sempre fazia a Miracema nos feriados como aquele e fiz convite para a minha namorada vir me visitar.

Ao chegar do trabalho, naquela quinta-feira, resolvi sair para fazer compras em um supermercado próximo, para bem receber minha namorada. Quando voltei, com todos aqueles apetrechos de limpeza, fui fazer faxina no apartamento, pois já havia muito tempo que não se fazia uma boa limpeza nele. Ora por falta de tempo, ora por preguiça de seus ocupantes, em até mesmo para contratar uma faxineira.

Logo após colocar as compras na cozinha, fui para o quarto trocar de roupa e, como estava só, fiquei à vontade, apenas de cueca. Depois de iniciada a limpeza, comecei a transpirar devido ao forte calor que estava fazendo naquele dia de verão. Então decidi abrir totalmente a janela da sala para que entrasse ar. A praça proporcionava ar fresco que entrava no apartamento depois de passar pelas folhagens das frondosas árvores que ali existem.

O prédio da praça São Salvador era muito antigo, poucos pavimentos e apenas dois apartamentos por andar, um de frente e outro de fundos. Havia um porteiro, já com certa idade, que não morava no prédio e só trabalhava durante o dia e folgava nos feriados e fins-de-semana. A luz dos corredores era a do tipo que se apaga automaticamente, após um tempinho.

O foxter da senhora viúva que morava no térreo, cuja janela ficava ao lado da única porta de entrada do prédio, funcionava como uma espécie de campainha para todos os moradores, quando alguém entrava ou saía do prédio. Por duas ou três vezes, o senhor aposentado que morava no apartamento de frente do segundo andar quis, numa reunião de condomínio, expulsar aquele cachorro do prédio. Mas, foi desmotivado, pela bondade da senhora sua esposa e de alguns dos vizinhos com os quais discutia o assunto. Estes, compreensivos da solidão de uma senhora viúva ou preocupados com a consequente falta de segurança que o prédio poderia ficar.

O Carlos Luís se divertia com as discussões que o cão-porteiro-campainha provocava e gostava de acirrá-las irritando ao máximo aquele cachorro, toda vez que ele entrava ou saía do prédio, principalmente quando chegava à tarde do trabalho. Ele fazia isso com um pé dentro da portaria e outro na escada de fora, que ficava debaixo de uma pequena marquise. Quando a dona do cachorro chegava na janela para ver por que motivo seu adorado cãozinho estava tão nervoso, ele imediatamente entrava para o interior do prédio, sem dar chance para ela ver quem estava irritando o seu “adorável” cãozinho. Carlos Luiz se divertia em ouvir aquela velha senhora praguejando.

Já passava da meia-noite quando vi que a lixeira de casa estava muito cheia e resolvi esvaziá-la na do prédio. Como já era tarde da noite e reinava absoluto silêncio no corredor do andar deixei a porta aberta para aproveitar a luz advinda do apartamento e fui, mesmo de cueca, à lixeira. No exato momento em que abri a porta da lixeira, senti e reconheci não só aquele vento frio que lambeu minhas costas, devido à corrente que se formou com a janela e a porta do apartamento abertas com a entrada de ventilação do corredor do prédio, como também o estampido de porta se fechando abruptamente. No instante que a porta bateu, fechei os olhos devido ao susto que levei e, por alguns instantes, me neguei a abri-los porque não queria acreditar que pudesse ser a porta do meu apartamento que havia sido fechada. Quando abri os olhos, naquela absoluta escuridão, fui tocar na porta para acreditar de uma vez por todas no que tinha acontecido, e lamentei a minha falta de sorte.

Diante daquela situação, comecei a pensar em como resolvê-la: bater no vizinho do apartamento dos fundos, explicar o ocorrido e pedir ajuda. Descartei esta hipótese, porque o vizinho não era só morador novo, estava recém casado também. Acordá-los naquela hora da noite para explicar a minha falta de sorte, só de cueca, seria muito constrangedor. Como não tinha nenhum conhecido no prédio, achei melhor aguardar a chegada do porteiro, pela manhã do dia seguinte.

Enquanto esperava o porteiro, sentado naquela escada de cimento, gelada, do corredor e se levantando de tempo em tempo para acender a luz, lembrei que o porteiro não viria trabalhar, pois era feriado naquela sexta-feira. Então resolvi descer até à portaria para ver se conseguia ajuda, mas, quando estava diante do portão de entrada do prédio, buscando coragem para abri-lo, avistei uma patrulha da polícia passando em uma ”joaninha“, circulando bem de devagarzinho pela praça deserta, assustei-me e procurei esconder-me, pois achei que não saberia explicar aquela situação e poderia ir parar na cadeia. Foi então que lembrei do quartel do corpo de bombeiros que ficava de frente para a praça a uns 100 metros do meu prédio e pensei em pedir ajuda lá, pois pelos bombeiros eu achava que não seria preso. Assim pensei.

Demorei uma hora ou mais para tomar a coragem de enfrentar somente de cueca o percurso até os bombeiros: da portaria do meu prédio eu não tinha visão de toda praça, mas pelo que se conseguia ver e pelo horário avançado, imaginei que não deveria encontrar ninguém. A porta do prédio era daquelas que só abria sem chave por dentro.

Durante o percurso até os bombeiros encontrei com um casal de namorados dentro de seu carro parado, provavelmente o rapaz deveria estar deixando a bela jovem em casa e estavam se despedindo. Depois das caras de espanto que fizeram quando me viram, deram barulhentas gargalhadas. Encontrei também com dois garis que pararam de trabalhar para observar atentamente e interrogativamente a minha corrida pela praça.

Chegando no quartel, não vi nas guaritas os soldados que deveriam estar de plantão. Parado na frente do quartel, sem saber exatamente o que fazer, resolvi entrar para ver se via alguém e escutei vozes de pessoas conversando vindas do fundo da parte térrea daquele prédio. Fui em direção das vozes e me deparei com quatro soldados jogando baralho. A reação dos soldados quando me viram ofegante da corrida e também de medo, somente de cueca, foi diversa: uns ficaram com cara de quem foi surpreendido roubando, outro apanhou o fuzil que estava encostado na parede e me apontou. Eu fui logo me explicando, mas os soldados não só se recusaram a ajudar-me, como foram inóspitos, falaram como policiais que repreendem um contraventor apanhado em flagrante. Um deles chegou a dizer que não tem justificativa para uma falta de respeito daquelas, entrar desapercebido em um quartel militar só de cueca.
Enfim, acabaram compreendendo a situação constrangedora que me encontrava, mas disseram que eu teria que pedir auxílio da polícia, pois a eles não competia tal ajuda. Desolado, me despedi para tentar ajuda em outro lugar, quando ouvi de um deles, o que me pareceu mais sensibilizado com a minha falta de sorte, que poderia agir fora do regulamento, poderia colocar uma escada naquela culposa janela da sala para que eu pudesse entrar no apartamento, desde que me identificasse imediatamente após.

E assim foi feito, me identifiquei e recompensei, com grande satisfação, alívio e felicidade, o compreensível soldado, com quase todo dinheiro que havia sacado no banco para passar aquele “feriadão”.

Um comentário:

Pina Jr disse...

Podia ter sido pior, companheiro. Fernando Sabino criou uma situação agoniante e ao mesmo tempo hilária, com o personagem do lado de fora inteiramente nu.